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13.9.12

A mancha

Na passada sexta-feira, Philip Roth publicou na New Yorker uma carta aberta à Wikipédia. Ao que parece, o artigo relativo ao seu livro A Mancha Humana conteria um erro que o autor tentou remover sem sucesso. Os editores do artigo defendiam que a personagem principal do livro era baseada numa dada pessoa quando, afinal, se tratava de outra. O artigo, entretanto, já foi modificado e inclui, até, referência à carta aberta.

A carta de Roth é longa e pormenorizada. Demasiado longa, a meu ver. Li-a até ao fim apenas para tentar ver se, mais para a frente, o autor acrescentaria alguma coisa de interessante. Nem por isso. Os primeiros dois parágrafos são tudo quanto vale a pena. O resto é Roth a explicar-se ao mundo, qual vítima de um julgamento que nunca aconteceu. Os editores da Wikipédia, bem como alguns críticos, concluíram erradamente uma coisa. Acontece a toda a hora e ainda bem que o autor está vivo para repor a verdade. Porém, não é nenhum drama, nem justifica uma autópsia do romance em praça pública (Roth chega a contar o desfecho da obra). Bastaria relatar a troca de correspondência com o administrador da Wikipedia, dizer de sua justiça eu, Autor, afirmo isto e nego aquilo e seguir em frente, em direcção a coisas mais importantes.

Este texto parece-se com o livro: muito mais palavroso do que poderia ser, perdendo, assim, todo o interesse. (Ainda por cima, fiquei a saber que aquilo que romance tinha para mim de valioso o ponto de partida é, na verdade, não fruto da imaginação do autor, mas decalcado de factos reais. Um ponto a mais para a realidade, um ponto a menos para o autor.) Não terminei o livro, largando-o ao fim de 50 páginas (dei o benefício da dúvida até onde pude), precisamente por ele ter tudo a mais. Palavras a mais, parágrafos a mais, páginas a mais. Podia ser que o ritmo ajudasse à história, mas, até onde li, não.

Nem todos têm o dom da concisão, nem a concisão é sempre uma coisa boa, mas Roth é um chato. Quando se começa um artigo a questionar o papel do criador de uma obra face ao que os enciclopedistas virtuais alegam sobre essa obra, tocando num ponto sumarento “I understand your point that the author is the greatest authority on their own work,” writes the Wikipedia Administrator — “but we require secondary sources.” , não se pode não reflectir sobre isso e passar a descrever minudências: «I never took a meal with Broyard, never went with him to a bar or a ballgame or a dinner party or a restaurant, never saw him at a party I might have attended back in the sixties when I was living in Manhattan and on rare occasions socialized at a party.» A sério, Sr. Roth, vai enumerar todas as circunstâncias em que nunca se cruzou com o indivíduo em que alguns acreditam que o livro se baseou?

Outro ângulo interessante, que Roth não explora, claro, é o da coincidência entre o que aconteceu com o seu amigo Melvin, a pessoa em quem o protagonista do romance é baseado, e com Broyard, a pessoa em que a personagem poderia ter sido baseada. É preciso reconhecer as coincidências que deram origem à confusão. Não é incrível como, sendo todos nós tão diferentes, sejamos todos tão parecidos? Não é curioso que tenham existido na mesma altura diversas personagens, pelo menos duas reais e uma fictícia, a partilhar tantas semelhanças? Não é engraçado? E literário? É. Só Roth não é engraçado. Nem literário. 

5.10.11

Histórias dos meus círculos de leitora

Recentemente deram-me a ler um excerto do História do Cerco de Lisboa. Fiquei a saber que a personagem central é um revisor e decidi que compraria o livro. Já em casa, fui à estante onde estão os saramagos e vejo que afinal o tenho. Herdei-o e não cheguei a lê-lo. Primeira edição, 1989. Folheio-o e vejo que me está dedicado por alguém cujo apelido não destrinço. José Manuel? José França? Maio de 2007. Que José me assinaria um livro cordialmente em 2007? Saramago! Foi na Feira do Livro de Lisboa, quando lhe levei alguns volumes que o entretiveram por três minutos. Não costumo pedir autógrafos, mas. Uma simpatia no trato, uma disponibilidade humilde para os leitores como nunca vi. Independentemente do que fez e disse ao longo da vida, nos últimos anos, tanto quanto a saúde lhe permitia, passava as tardes na feira, amável, ao lado do seu editor, exposto a quem quisesse interpelá-lo. Havia dias em que o parque estava deserto, mas nem por isso desanimava ou se ia embora. Circulava, ouvia o pedido ocasional e rabiscava em conformidade. Estava ali.
Comecei agora a ler a História (sorrindo a intervalos ao pensar que, no ano em que nasci, o autor trabalhava para a editora em que agora trabalho). Quando acabar conto como foi.