Página principal

23.6.11

Original nacional

Há coisas demasiado boas para deixar escapar. Há pessoas demasiado tolas que as deixam fugir. Eis uma das melhores ilustrações que vi nos últimos tempos:

Esta ilustração pertence a uma série e representa - de um modo genial, digo eu - a tonicidade silábica. Foi uma proposta concebida por Catarina Sobral para um «livro de aferição de exames», proposta essa recusada. Enfim (*suspiro*). Os livros escolares - tão electrónicos - podiam ir formando e refinando a literacia visual se quem decide tivesse sensibilidade e bom senso. Felizmente, como há olhos atentos, os talentos não se desperdiçam e vão parar a boas mãos. Em breve, a Orfeu Negro (na chancela Orfeu Mini) publicará um livro seu. Mal posso esperar. :)
Viva a justiça poética! Vivam os ilustradores portugueses! Viva o ponto de exclamação!

Nós narrativos

Para quem não conhece Augusto Monterroso, a Angelus Novus publicou recentemente A Ovelha Negra e Outras Fábulas. [Obrigada, Juva!]

16.6.11

Os livros são quê?

Não me parece que venha a ter muito tempo nos próximos tempos. Contudo, tenho há muito a intenção de deixar aqui no blogue umas quantas ideias sobre edição e respectivos satélites. Alguns dos tópicos são a arte e o livro (ou vice-versa), o papel do editor, o que faz um assistente editorial ou a tentativa de provar que os livros não são/estão caros. Como tenho de começar por algum lado, escolho esse último tema: «Os livros são caros».


Não recuarei tanto a ponto de perguntar «o que é um livro?», mas há que restringir o âmbito para não perdermos o fio à meada. Para poupar tempo e avançar com a discussão, partamos do princípio de que estamos a falar de um objecto impresso com 200 páginas, de capa mole, com 24 cm de altura e 14 largura.

«Os livros são/estão caros.» - De que livros estamos a falar?

A meu ver, definitivamente, os livros não são/estão caros na sua generalidade; só alguns, especializados, estão mais inflacionados. Falo do livro técnico (compêndios médicos, manuais jurídicos, teses de doutoramento), talvez do escolar, e pouco mais. Nestes casos, a editora pode esticar a sua margem, pois sabe que há procura e que o público-alvo tem (ou tem de ter) poder de compra.

«Os livros são/estão caros.» - Para quem?

Não vivemos num país rico. Este não é um país grande, nem com muitos leitores. O facto de sermos pequenos a vários níveis condiciona os preços, pois há a questão da escala. Em França (país mais rico, com 62 milhões de habitantes e muitos leitores), as tiragens médias são três e quatro vezes as nossas (pois há, no mínimo, cinco vezes mais leitores), o que reduz dramaticamente o custo unitário, o que, por sua vez, se reflecte no preço final.
Num país como o nosso, o livro pode parecer um bem de luxo para alguns. Mas não é, e passo a explicar.

«Os livros são/estão caros.» - Em relação a quê?

Suponhamos que o livro de que acima falámos tem um preço de venda ao público de 20€ (para termos um número redondo). Partamos do razoável princípio que se lermos meia hora por dia, num mês temos o livro lido. Ora, 0,5 horas x 30 dias = 15 horas. 15 horas de entretenimento e/ou aprendizagem (caso o livro que tenhamos escolhido seja interessante e o tenhamos lido até ao fim). 20€ ÷ 15 horas = 1,33€. Que outra fonte de entretenimento/aprendizagem tem um valor por hora tão baixo? Talvez a televisão. Mas além do que pagamos por ela, toleramos anúncios e outros conteúdos que não nos interessam na maior parte do tempo. O cinema e o teatro, em comparação, parecem exorbitantes. Se além do espírito quisermos exercitar o corpo, um ginásio cobra-nos uma mensalidade que daria para comprar muitos livros.
Aqui, há que acrescentar que há centenas e centenas de bons livros a 6€ - o preço de um bilhete de cinema. 15€ é o preço de um jantar. 30€ são uns sapatos baratos. Um livro deu muito trabalho a confeccionar, é património que fica, ao qual se volta sempre que se quer, que pode ser legado, revendido, etc.
Quem não pode comprar as novidades caras, tem sempre livros em domínio público na internet, livros em segunda mão nos alfarrabistas, feiras do livro (com descontos de 20 a 50%) e, sobretudo, bibliotecas.
Curiosidade: por cada título que lança, a editora tem de dar ao Estado 11 exemplares para este os distribuir pelas bibliotecas mais importantes do país. Além da complexa tarefa de fabricar livros e tentar vendê-los, a editora cumpre ainda esta obrigação para com todos os cidadãos, que é disponibilizar-lhes, gratuitamente, o seu trabalho.

Analisemos agora alguns equívocos que pululam em conversas quotidianas.
O diálogo que se segue é real e foi tido no Facebook há umas semanas entre compradores de livros na casa dos 30 anos. São pessoas com formação superior e que lêem em inglês (uma minoria, se olharmos para as estatísticas do país). Opinam com base no seu senso comum e desconhecem a complexidade do funcionamento de uma editora. (Ah, e aquelas contas finais são um total disparate.)

XY: Fui comparar os preços dos livros comprados em promoção na feira do livro com os preços no book depository. Foram todos mais caros, e por 3 livros paguei 10 euros a mais, 67% mais caros... :(
BP: O q é o book depository?
RM: Pensa pela positiva, estimulaste a economia nacional comprando cá.
PA: Comparações com o Book Depository (site de venda de livros) são injustas. Está bem que o preço dos livros em Portugal deviam ser mais baixos, mas, desde que o preço seja razoável e sejam livros que encontro por cá, não me custa pagar mais uns euros, sem comparar com sites que sei que apresentam preços *muito* baixos.
BP: Obg. :)
JP: são injustas? como assim? os livros são os mesmos. mais uns euros? eu paguei mais 67% em livros que supostamente estavam em promoção. Imagino que se não estivessem em promo, custavam o dobro do preço. a unica injustiça seria para o bookdepository uma vez que é uma loja,
e não uma editora. Ao comprar directamente a uma editora, deveria estar a pagar menos por não haver intermediário.
TG: Conseguem ser mais baratos que na Amazon.co.uk.
PA: Quando as lojas portuguesas (cujos preços afectam certamente os que as próprias editoras praticam na Feira) venderem o mesmo volume que lojas online como o book depository e amazon, entao podemos ir olhar para o IVA dos livros e discutir se os preços em Portugal sao "justos". Até lá, as diferenças de preços parecem-me lógicas, apesar de poderem às vezes ser desanimadoras.
JP: não há uma discussão do IVA, uma vez que o IVA pago é o de Portugal, no bookdep como na Amazon. Vivemos numa economia global e numa união económica de livre comercio e concorrência, e se é igualmente fácil e a metade do preço comprar no bookdepository, eu nem vou pensar 2 vezes e comprar no Bookdep. os preços das editoras tem de ser competitivos com o resto das lojas que estão disponíveis ao consumidor, ou então tem que ganhar o dinheiro de outra forma, prestando outro tipo de serviços, melhor qualidade, alguma mais valia que justifique o dobro do preço.
PA: Tu não estás a comparar os preços de edições portuguesas com os das edições originais, pois não? É que só as diferenças de tiragens de uma versão USA do "The Road" com as da portuguesa afectarão bastante o preço base.
TG: P., os preços dos livros em Portugal podiam ser mais baratos. Segui de perto desde a escrita ate ao lançamento do livro de um amigo meu. 2E por livro vendido para o autor; 3.8E para a impressão; 0.3E por livro para a distribuição; 500E para o revisor; numa edicao de 3000 exemplares da 0.17E; e um preço de lançamento de 26E. 2E+3.8E+0.3E+0.17E=6.27E, sabendo que a livraria tinha um ganho de 15% sobre o preco de capa a editora tinha um lucro de 15.83E por livro. Mesmo que a editora so vendesse 75% dos livros o lucro seria de 10.30E por livro vendido.

Primeiro: Em Portugal temos a Lei do Preço Fixo, que, salvo excepções, não permite que um livro seja vendido com mais de 10% de desconto sobre o preço inicialmente fixado pela editora nos primeiros 18 meses após a sua publicação. No estrangeiro, o editor fixa um valor mas há liberalização do preço - os canais de venda podem escolher abdicar da sua margem de lucro para baixar o preço do livro e, assim, chamar mais clientes.
Segundo: O Bookdepository vende livros baratos (os de massas, sobretudo) porque estão na sua edição original, vendem para um mercado enorme e, o mais das vezes, em edições já de si baratuchas (paperbacks em papel cinzento, com letra miúda, etc.). Se compararmos os preço dos livros cartonados cá e lá, ficam quase sempre ela por ela.
Acresce a isto o facto de nem sempre querermos ler um livro na versão original e preferirmos a tradução. Compro livros na Amazon, onde encontro pechinchas, e no Bookdepository, onde não pago portes de envio, mas compro quase sempre livros nas nossas livrarias ou directamente aos editores (via site ou feira do livro). Tudo depende da ocasião, da oferta, do que for mais competitivo e do tempo que estou disposta a esperar.
Terceiro: A edição é um trabalho duro, a concorrência é feroz e a venda dos livros tem de pagar toda a estrutura da empresa. Se a editora não tem distribuição própria, tem de pagar a uma distribuidora que, juntamente com os canais de venda, fica com (praticamente) 60% da facturação (-6% IVA) e que não garante o armazenamento dos livros (encargo esse que, com o tempo, se torna monstruoso). Se tiver distribuição própria, tem de pagar salários a delgados comerciais e todo o custo da logística. Em Portugal, as livrarias ficam em média com 35-40% do PVP (-6% IVA). Repito: 35-40%. 50% no caso dos hipermercados. Os autores ficam, em média, com 10% do PVP (-6% IVA). Com o que sobra, o editor tem de pagar a renda, os salários, o trabalho de tradutores, revisores, paginadores e designers, gráficas, despesas correntes (telefones, manutenção do site, quotas de associado da APEL, ...), armazenamento dos livros, etc.
E a verdade é que muitas vezes as editoras perdem dinheiro com a publicação de um livro. Apostar na publicação de um autor implica riscos. Mesmo que uma editora não recupere o investimento que fez (ah, o break-even... essa miragem), tem de pagar royalties sobre os exemplares vendidos.
Portanto: Comparar realidades incomparáveis (preços dos livros de uma editora portuguesa numa livraria nacional vs livros na sua versão original numa livraria on-line no estrangeiro) é precipitado/injusto/preguiçoso/inútil/outro (riscar o que não se aplica).

As editoras põem comida no prato de muitas pessoas. O preço dessa cadeia de valor reflecte-se inevitavelmente no preço do livro para o consumidor. Ainda assim, se virmos bem, os preços praticados estão longe de ser abusivos.

«Os livros são/estão caros», passo a vida a ouvir. Na maioria dos casos será só mais uma desculpa como «não tenho tempo para ler».

Admirável mundo nosso

Afinal, parece que a poesia também se lê bem num ecrã. E este poema, pejado de referências, presta-se na perfeição às hiperligações e outros malabarismos. Mas, assim, será ainda o mesmo poema?

NB: Na lista do artigo, «The Waste Land» ultrapassa mesmo a aplicação Our Choice.

PS: A propósito de textos, livros, aplicações e outras complicadas definições, para que servirá isto?...