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30.9.10

Palavras

Tony Judt faleceu no passado dia 6 de Agosto. Na New York Review of Books deixou-nos as suas últimas crónicas. Destas, a minha preferida talvez seja Words, que agora traduzo em três partes, em jeito de homenagem (e sem pedir licença a ninguém).


[parte 1]


Cresci com palavras. Elas tombavam da mesa da cozinha para o chão, onde me sentava. Entre avô, tios e refugiados, arremessavam-se, numa sucessão vertiginosa, afirmações e interrogações em russo, polaco, iídiche, francês e numa espécie de inglês. Indigentes sentenciosos do Partido Socialista do Reino Unido passeavam-se na nossa cozinha, promovendo a Causa Justa. Passei muitas horas a ouvir os autodidactas da Europa Central discutir pela noite dentro: marxismus, zionismus, socialismus. Parecia-me que falar era o propósito da vida adulta. Esta impressão nunca me abandonou.

Quanto a mim – e para me integrar –, também falava. Para dias de festa, memorizava palavras, recitava-as, traduzia-as. «Oh, ele será advogado», diziam. «Encantará os próprios pássaros, nas árvores»: coisa que tentei nos parques, em vão, até perceber o sentido da expressão e a empregar durante a adolescência, também sem grande resultado. Por esta altura, passara das intensas trocas poliglotas para a elegância do inglês da BBC.

Os anos 50 – quando frequentei a escola primária – foram uma época em que o uso e o ensino da língua inglesa se faziam com rigoror. Aprendemos que a menor transgressão sintáctica era inadmissível. O «bom» inglês estava no auge. Graças à BBC e às newsreels que precediam as sessões de cinema, estabeleceram-se normas nacionais para o discurso correcto; a autoridade da classe e da região determinavam não só como as coisas deveriam ser ditas, mas também que tipo de coisas era adequado dizer. Os «sotaques» abundavam (incluindo o meu), mas eram classificados como sendo mais ou menos respeitáveis: tipicamente, em função da posição social e da distância geográfica de Londres.

Fui seduzido pelo brilho da prosa britânica no seu efémero apogeu. Vivia-se a era da literacia de massas, cujo declínio Richard Hoggart antecipou no ensaio The Uses of Literacy (1957). Culturalmente, emergia uma literatura de protesto e revolta. De Lucky Jim a Look Back in Anger, passando por dramas de realismo social no final da década, as fronteiras classistas da sufocante respeitabilidade do bem falar estavam debaixo de fogo. Mas os próprios bárbaros, no seu ataque à tradição, recorriam às cadências aperfeiçoadas do inglês que lhes fora ensinado: ao lê-los, nunca me ocorreu que para nos podermos revoltar temos de o fazer usando a boa forma.

Chegado à Universidade, as palavras eram a minha inclinação. Como ambiguamente observou um professor, eu tinha o talento de um «orador de língua dourada» – combinando (como eu queria acreditar) a confiança inata daquele meio e o olho crítico do forasteiro. Os docentes de Oxbridge recompensavam o estudante verbalmente capaz: o estilo neo-socrático («porque escreveu isto?»; «o que quis dizer com aquilo?») convidava o aluno solitário a explanar-se longamente, assim lesando o pupilo tímido, reflexivo, que prefere ocupar as últimas filas do anfiteatro. A minha fé interesseira na eloquência foi reforçada: não era apenas prova de inteligência, era a própria inteligência.

Terei notado que o silêncio do mestre nesta circunstância pedagógica era crucial? Quer como estudante, quer como professor, o silêncio nunca foi um dos meus fortes. Ao longo dos anos, alguns dos meus colegas mais ilustres tornaram-se reservados a ponto de se remeterem ao silêncio hesitante durante debates e até em conversa, pensando ponderadamente antes de se comprometerem com uma posição. Invejei-lhes esta capacidade de contenção.

25.9.10

Tabela periódica


Font, or Fount. A complete set of type of the same body and face with all the points, accents, figures, fractions, signs, etc., that ordinarily occur in the printed books and papers. A complete fount (wich includes italics) comprises over 200 separate pieces of type, without the special characters needen in almanacs, astronomical and medical works, etc. The word os French, fonte, from fondre (to melt or cast).

24.9.10

Super Tim

Tim Gunn, Il Magnifico, faz a sua análise das farpelas dos super-heróis proporcionando belos momentos de entretenimento.





(E no dia em que o Super Homem aparecer assim num comic, comprarei todos os números.)

23.9.10

Retirada estratégica

Bem, parece que depois disto, temos isto. É o mínimo.

22.9.10

Ena pá 3000

Ele há de tudo...

E por falar em vídeos...

Aqui fica um inclassificável:


Uma sugestão do meu amigo Rafael.

$#%@ Me, Ray Bradbury

Depois deste vídeo, parece que a protagonista, Rachel Bloom, conheceu o seu ídolo. Ver mais aqui.


:)

Uma descoberta do meu amigo Nuno.

19.9.10

Crítica

Na revista online de filosofia Crítica, Aires Almeida acaba de publicar um interessantíssimo artigo sobre alguns maus hábitos enraizados na edição portuguesa, cuja leitura e discussão se recomenda vivamente.

Aborda quatro pontos:
  • O facto de se chamar segunda/terceira/... edição ao que é, na verdade, uma reimpressão.
Trata-se de um erro tão generalizado que, creio, nem os editores pretendem enganar ninguém com isso, nem os leitores são com isso enganados. Se numa obra académica, de facto, falar de edições levanta dúvidas (o que não é de somenos...), regra geral ninguém parte do princípio que Dan Brown alterou trinta vezes o Código da Vinci. Além disso, quando se trata de uma edição revista, os editores costumam chamar a atenção para esse facto em particular.
  • A fraquíssima qualidade de algumas traduções, que tanto(s) prejudicam e que não tinham de ser tão más.
Fui vítima, aliás, do mesmo logro relatado. Comprei o livro e não consegui passar da terceira página, tão intragável estava a tradução, levada a cabo, verifiquei em seguida, por uma empresa que presta esse tipo de serviços e que, provavelmente, encarrega várias pessoas de traduzir partes do mesmo texto.
Neste ponto, partilho com Aires de Almeida, além da imensa frustração, a total perplexidade perante tal mau passo por parte da editora. A elaboração de um livro representa um grande investimento e nenhuma parte da sua concepção deve ser descurada. Se se trata de uma tradução, garantir a qualidade do texto é essencial (até porque, num mundo globalizado com leitores poliglotas que fazem compras via internet, a versão portuguesa terá também de competir com a original). Porquê deitar tudo a perder com uma negligência deste calibre? Volta e meia dou por mim a pensar se não devo devolver-lhes o livro e pedir o dinheiro de volta...
  • O facto de habitualmente se menosprezar, em Portugal, a questão do índice.
Os índices são uma ferramenta indispensável e há que olhar sempre para as opções do autor e do editor original, no caso de este último existir. Faz parte da função do editor salvaguardar e valorizar o mais possível a experiência de leitura do leitor final (melhorando, inclusivamente, o que houver a aperfeiçoar).* Suprimir índices e mudá-los de sítio arbitrariamente, tal como não os completar com o rigor desejável, é, no mínimo, uma irresponsabilidade. E os leitores reparam sempre.
  • O quarto aspecto focado no artigo é transversal a estas três observações: a constatação de uma frequente falta de profissionalismo por parte das editoras e da recorrente falta de exigência por parte dos leitores (a meu ver, correlativas).

Acredito que quase todos os lapsos editoriais deste género se devem a ignorância, arrogância e urgência. Resumindo: incompetência e/ou desprezo pelos leitores. Uma conclusão dura, e triste, mas que não pode deixar de ser tirada.


*Pessoalmente, sou adepta da norma do índice de conteúdos no início (momento em que se expõe o esqueleto e o rumo do livro) e da colocação de todos os outros índices (remissivo, etc.) no fim. Um dia destes escrevo qualquer coisa sobre a grande importância do índice.

18.9.10

Inverter o processo

Manuel A. Domingos, entre outras coisas tradutor de Charles Bukowski e autor dos blogues meia noite todo o dia e o amor é um cão do inferno, dá destaque ao seu autor favorito nesta Alice #3. Todo o artigo tem interesse, mas é de salientar o seguinte poema:


se ensinasse escrita criativa, perguntou-me, o que lhes diria?

diria para terem um desgosto amoroso,
hemorróidas, dentes podres
beberem vinho barato,
evitar a ópera e o golfe e o xadrez,
mudarem a cabeça da cama
de parede para parede
e depois diria para terem
outro desgosto amoroso
e para nunca usarem computador
portátil,
evitarem almoços em família
ou serem fotografados num jardim
com flores;
para lerem Hemingway só uma vez,
passarem por Faulkner
ignorarem Gogol
verem fotografias da Getrude Stein
e lerem Sherwood Anderson na cama
enquanto comem bolachas de água e sal,
perceberem que as pessoas que falam de
liberdade sexual tem mais medo do que vocês.
para ouvirem E. Power Biggs a tocar
órgão na rádio enquanto enrolam
um Bull Durham às escuras
numa cidade desconhecida
com um dia para pagar a renda
depois de abandonar
amigos, família e trabalho.
para nunca se considerarem superiores e/
ou justos
e nunca tentar ser.
para terem outro desgosto amoroso.
observarem uma mosca no verão.
nunca tentar ter sucesso.
nunca jogar bilhar.
para se mostrarem verdadeiramente furiosos
quando descobrirem que têm um pneu furado.
tomarem vitaminas mas nunca fazer exercício físico.

depois disto tudo
inverter o processo.
ter um bom caso amoroso.
e aprender

que não há nada nem ninguém a saber tudo –

nem o Estado, nem os ratos
nem a mangueira do jardim nem a Estrela Polar.
e se algum dia me apanharem

a dar uma aula de escrita criativa

e lerem isto

eu dou-vos um 20

pelo cu

acima.

16.9.10

15.09.1890

As celebrações dos 120 anos decorridos sobre o nascimento de Agatha Christie lembraram-me esta publicidade na livraria Foyles, em Londres (2009).


13.9.10

Agenda

Este segundo semestre está de agenda sobrelotada. Do Palavras Andarilhas, já esta semana, em Beja, ao Fórum Fantástico, em Novembro (12 a 14), eis mais um acontecimento a não perder: Once Upon a Place. De 12 a 14 de Outubro, organizado pela Faculdade de Arquitectura da UL (e não só) e com o apoio da FCG (entre outras entidades), vai brindar-nos com a presença de Alberto Manguel.
Se houver tempo, ainda se vai ali ao lado ouvir uma história.

Alice #3

A revista Alice #3 já está disponível. Mais um grande número, com especial destaque para a entrevista a Manuel Monteiro, revisor de profissão.

O futuro é agora

Há umas semanas, no suplemento literário do LA Times, Jacket Copy, Carolyn Kellogg assinava um artigo no qual, entre outras coisas, discutia esta proposta – a de que os editores incapazes de se adaptar aos novos tempos deveriam fechar as portas em grande e, com uma festa, sair de cena. É verdade que muitas editoras têm fins agonizantes, que se prolongam no tempo, com falências, novas gerências e eventuais demências. É mais fácil criar um projecto do que admitir que o mesmo falhou. E é igualmente certo que esta súbita necessidade de adaptação a um meio em rapidíssima transformação deixará muitos pelo caminho. Mas valerá a pena ser tão pessimista? Nos EUA não sei, mas em Portugal – enquanto no estrangeiro se fazem coisas destas e por cá se assobia para o lado – há motivos para julgar que sim.

9.9.10

Adoptar palavras


Ora aqui está uma boa ideia, comprometer-mo-nos a manter viva uma palavra em vias de extinção. Já tenho a minha: panphagous. Uma brilhante iniciativa da OUP.



Uma sugestão do meu amigo Marcelo.

7.9.10

Quando eu nasci

Soube-se ontem que o fantástico colectivo Planeta Tangerina verá um dos seus maiores (e premiados) sucessos editoriais publicado em inglês e, nada mais, nada menos, pela exigente Tate Publishing. Muitos parabéns!

6.9.10

Fofoca

Um dos maiores e melhores cartoonistas de sempre, Laerte, deu uma entrevista à revista brasileira Bravo!, na qual a assumiu que gosta de se vestir de mulher e que tem estado cada vez mais à vontade com essa sua faceta. (Por acaso ou não, a revelação coincidiu com o lançamento de mais um dos seus álbuns.) O autor já tinha abordado o tema em algumas das suas tiras.
Parabéns pela audácia, digo eu. É sempre bom quando um dos grandes é suficientemente grande para não ter medo de se mostrar tal como é.

(notícia)

McDreamy's

Também eu! também eu!

By the way, a Chronicle Books governa.