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22.4.13

Feirar ou não feirar, eis a questão II

Para tentar compreender a parte da matemática, esta que vos escreve pôs-se a puxar pela cabeça e a fazer contas:

Em 2012, houve 188 pavilhões na Feira do Livro de Lisboa, segundo o mapa oficial (contei os rectângulos à mão, posso ter-me enganado).


Em 2013, segundo o regulamento, o preço de aluguer dos pavilhões é o seguinte:


Como em 2012 deve ter sido igual ou parecido...

188 pavilhões x 1800 € (contas por baixo, pois certamente haverá muitos a 2000 €) 
=
338 400 €
=
Uma pipa de massa
(Já para não falar dos valores recebidos dos patrocinadores, cujos montantes desconheço por completo.)


Para onde vai o dinheiro?
 
Para a compra dos novos pavilhões, que estão em utilização desde há três ou quatro anos?
Segundo noticiado, em 2009 a autarquia do Porto celebrou um acordo «com a APEL para “o regresso da Feira do Livro à Av. dos Aliados”, tendo para o efeito celebrado um protocolo no valor de 300 mil euros, repartidos ao longo de quatro anos, destinados ao investimento em novos equipamentos». Tanto quanto sei, os pavilhões usados no Porto e em Lisboa são os mesmos. Portanto, essa despesa está coberta. (Não percebo muito de carpintaria, mas 300 000 € devem dar para pagar 200 caixas de madeira daquelas. 300 000 € a dividir por 200 dá 1500 € a unidade.)

Para o aluguer do espaço?
Como a Câmara é entidade parceira e a realização do certame é do interesse da população, creio que disponibiliza o espaço gratuitamente. Pelo menos no caso do Porto é assim.

Para o pessoal da APEL?
Os funcionários que a APEL tem na feira são os mesmos que integram a sua estrutura ao longo do ano. Mas posso estar enganada.

Para animação cultural?
Pelo que vi em várias edições em que participei, essa é trazida ou pelos expositores ou pela câmara/outra entidade associada (como bibliotecas, por exemplo). Mas imaginemos que a APEL convida artistas no valor de 10 000 €. (Por 7500 €, já conseguimos um Quim Barreiros.)

Então, se não for para isso, irá:

Para o pessoal da montagem/manutenção?
Certamente. Deslocar e montar o equipamento exige mão-de-obra. Várias pessoas a trabalhar durante uma ou duas semanas e mais uma semana para a desmontagem.
Depois há electricistas e equipas de limpeza para as casas-de-banho, etc. 
Contabilizemos 20 000 € (100€ dia/pax, para uma equipa de 10 pessoas montar os pavilhões em 9 dias e desmontá-los em em 5 dias = 100 € x 10 pax x 14 dias = 14 000 €, a que se somam 6000 € de custos variados) 

Para aluguer/compra de equipamento?
Certamente. São necessárias casas-de-banho móveis, colunas de som e microfones para os anúncios, tendas para eventos, etc.

Para outros custos?
Claro, há sempre custos inerentes a uma operação destas; custos que, como leiga, desconheço. Suponho que sejam armazenagem dos pavilhões durante o resto do ano, comunicação (site, folhetos, divulgação), etc.
Contabilizemos 50 000€

Mas…
Mão-de-obra para montagem/manutenção, aluguer/compra de equipamento e outros custos inerentes… todos somados… dão 338 400 € (contas por baixo)? 
338 400 € dá para comprar dois bons apartamentos vista rio e ainda sobra para a decoração.

As contas que fiz acima, resultam em  95 000 €. Arredondemos, já que eu não tenho noção nenhuma, para o DOBRO = 190 000 €. Isto continua a ser METADE do que a APEL ganha com aquilo que cobra aos participantes.

Fiz todas estas contas por aproximação porque existe um problema de falta de informação. Nunca a vi em lado nenhum e nunca estive em posição de a pedir à APEL (e agora que não trabalho numa editora, menos ainda). Mas a curiosidade persiste.

Quanto às notícias da não realização da Feira do Livro do Porto, ajudem-me a perceber, porque sozinha não consigo.

Até aqui, estes foram os números da Feira do Livro de Lisboa. No Porto, costuma haver menos participantes e, com certeza, há algumas variações nos custos. Mas, mesmo que seja menos lucrativa, com 170 000 € de dinheiro das inscrições dos participantes (metade), vá, não se faz uma feira? Se a Câmara já deu os 300 00 € acordados para adquirir pavilhões e se esse valor foi para os pagar e foi suficiente para os comprar, como é que a feira era viável em anos anteriores (no ano passado!)  e não é este ano? Mesmo com despesas de alojamento de algum pessoal que vai de Lisboa, imagino que 170 000 € (contas por baixo, pois ainda há patrocícios) sejam suficientes — até porque uma feira mais pequena tenderá a ter menos custos. E mesmo, MESMO, que não seja suficiente para cobrir despesas, o lucro que a APEL faz com a FLL não chega para financiar a FLP?

Esta foi a parte da matemática. 

Agora a parte política: faz sentido, sobretudo depois de feitas as contas, pedir anualmente 75 000 € (ou outra quantia deste calibre) a uma Câmara, seja ela qual for, para a realização de uma feira destas que tem inegável relevância cultural mas que é, para todos os efeitos, uma livraria gigante ao ar livre mais do que um festival literário ou qualquer outra coisa ? A mim, parece-me absurdo.

Eu gosto muito da Feira do Livro, apesar de todos os seus defeitos. E sei que estas feiras são a principal fonte de rendimento da APEL, além das quotas dos associados, e que é com esse valor que a associação se mantém activa, pagando aos funcionários, assegurando gratuitamente o serviço de ISBN, etc. Mas, quando uma Câmara nega continuar a dar 75 000 € para a realização de uma feira que pode gerar 170 000 € para a organização (antes de despesas), criar postos de trabalho, dar vendas e visibilidade aos editores (o seu principal objectivo), ser importante para a vida cultural da cidade, etc., a mesma passa a ser inviável para a APEL? Custa-me a crer. E mesmo, MESMO, que seja inviável, não vale a pena repensar o modelo em vez de desistir ou de insistir* no erro? Repensá-lo para bem dos editores, que, afinal, são a APEL? Para bem dos visitantes, que são a razão de ser das feiras? Acho que vale. Vale a pena repensar tudo.

Para terminar, aqui fica uma pérola em forma de vídeo, no qual o benévolo leitor pode ouvir os protagonistas por si mesmo e beliscar-se enquanto o faz:


Cito a locutora, para o caso de lhe ter escapado: «A APEL afirma que a feira não pode ser realizada sem que a Câmara do Porto entre com o dinheiro com que se comprometeu
E repito as palavras da vereadora, para os benévolos ouvidos mais distraídos: o valor acordado já foi pago na totalidade, a Câmara cede o espaço, outros serviços e está disposta a dar um apoio adequado às realidades do país, mas não foi possível chegar a acordo com a APEL.

Portanto, quando defendemos o dinheiro dos contribuintes estamos a ser economicistas. Quando defendemos os interesses de uma classe de empresas estamos a ser sentimentais. Percebi bem?



PS: Já em 2011, quando se estimou os danos nos pavilhões causados pelos adeptos do FCP em 40 000 €, os números me pareceram altíssimos. Mas isso sou eu, que 1) ganho poucochinho e, portanto, tudo o que tenha mais de três zeros me parece uma fortuna e 2) não percebo nada de carpintaria. (Cá para mim, há uma fábrica de pavilhões qualquer que enche os bolsos com esta história toda.)

PS2: A APEL diz muito bem da CML, por comparação com a CMP. Gostaria de saber quanto do nosso dinheiro sai do nosso bolso, passa pela CML e acaba na APEL. Só por curiosidade.


*A APEL disse que voltaria a tentar organizar a feira para o ano, quando os protagonistas na CMP fossem «outros». Suponho que pense fazê-lo recorrendo ao mesmo modelo, um modelo que afirma não ser viável sem subsídios.

1 comentário:

Hugo Xavier disse...

Olá Rita,
Deixa-me só acrescentar um ponto que convém clarificar: a Agência Nacional de ISBN é uma Agência Nacional a única provavelmente em todo o mundo, a funcionar "dentro" de uma associação profissional. As verbas para que funcione são entregues pelo Estado à APEL para que mantenha a agência a funcionar.